sexta-feira, 17 de junho de 2011

Identidade com a cor - por Edson Santos

Texto publicado no jornal O Globo, edição desta segunda-feira (13)

A população brasileira deixou de ser majoritariamente branca, segundo o Censo 2010. É notícia animadora, pois indica a elevação da autoestima do povo durante a última década. O aumento no percentual de pretos e pardos não foi registrado só entre os mais jovens, mas também nos segmentos etários intermediários, demonstrando claramente um sentimento de pertencimento e de maior identificação do cidadão com a cor de sua pele. Essa mudança se explica pelo sucesso das políticas e iniciativas, públicas e privadas, para promover a igualdade de direitos e oportunidades entre os segmentos étnicos da população.

A cara da nova classe média é negra, e o mercado já acordou para este fato. No entanto, embora essas transformações estejam ocorrendo de forma semelhante em outros níveis e itens da vida nacional, a diferença que separa negros e brancos no Brasil ainda se traduz em índices de enorme desigualdade. Neste sentido, é revelador o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil - 2009/ 2010, organizado pelo professor Marcelo Paixão e divulgado pela UFRJ.

O documento mostra que a população negra brasileira está em desvantagem no acesso a serviços públicos, como educação, saúde, justiça e previdência social, recebe uma menor renda e tem uma expectativa de vida mais baixa do que outros segmentos. As raízes desta situação são históricas. Pois a mudança da categoria de escravos para a de homens e mulheres livres, em 13 de maio de 1888, não foi capaz de alterar o quadro de exclusão da população negra, na medida em que não veio acompanhada da garantia de acesso à terra, ao trabalho, à saúde e à educação.

Ainda hoje, mais de 120 anos após a Abolição, a fragilidade socioeconômica do segmento é notável. Não é por acaso que os negros são maioria entre os beneficiários do Bolsa Família, e que, de acordo com o Censo, representem 70% das pessoas que sobrevivem em situação de extrema pobreza. Estas constatações apontam a necessidade de aprofundar e dar sustentabilidade às políticas de promoção da igualdade racial, que devem ser tomadas com o objetivo de tornar os extratos elevados da pirâmide social mais permeáveis à presença de pretos e pardos.

O foco dessas políticas, conhecidas como ações afirmativas, deverá estar voltado principalmente para a Educação e a qualificação para o trabalho. Dessa forma será possível mudar o quadro das relações raciais no Brasil. O Programa Universidade para Todos (ProUni), a adoção de cotas raciais em universidades públicas e a progressiva valorização da matriz cultural negra no sistema educacional brasileiro são medidas importantes, mas é preciso muito mais.

Além do amplo reconhecimento da gravidade da questão racial que atinge a maioria de nossa população, pela primeira vez na história do país temos formalizado, no Estatuto da Igualdade Racial, o direito a ações afirmativas. O desafio é materializar esse direito, uma vez que há diferença entre o legal e o real. Pois, embora seja uma ferramenta importante, a legislação, sozinha, não é capaz de promover mudanças estruturais no país. Apenas a união de todos - governo, Parlamento, Judiciário, sociedade civil a e iniciativa privada - poderá desencadear um amplo processo de reestruturação do Estado democrático.

Edson Santos é deputado federal (PT-RJ) e ex-ministro da Igualdade Racial.

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