domingo, 29 de abril de 2012

Por que defendemos cotas raciais

O Racismo no Brasil

Para compreendermos o processo de formação da sociedade brasileira, é preciso entender que o racismo foi ideologia fundamental para a manutenção do Estado que se pretendia formar, isto é, não ocorre processo colonialista sem racismo.

O racismo sempre foi instrumento para manter a dominação, subjugando a todos que estão sob esse véu. O racismo é resultado da epistemologia européia a serviço da dominação sobre os outros povos. O racismo como o vivenciamos dia-a-dia é um conjunto de ações e intenções que marcam as relações sociais entre os indivíduos, e tem em sua fundamentação a superioridade de uma raça (branca) em detrimento de outra (negra e/ou indígena, etc).

É importante destacar que o contexto raça usado para fundamentar a nossa discussão é apresentado na perspectiva sociológica, ou seja, que raça existe em nossa contemporaneidade e é fruto de um conjunto complexo de fatores culturais e históricos, que, sim, foi balizador e critério para configurar a divisão social do trabalho no período colonial e nas ocupações dos diversos espaços de direção e poder de nossa sociedade.

As desigualdades raciais existentes em nosso país têm em suas bases uma estreita relação com a estruturação em classes de nossa sociedade. Em uma sociedade regida por uma democracia liberal, amparada em preceitos burgueses, o preconceito racial cumpre novas funções e ganha novas formas de aplicação, ainda mais eficientes no intuito de manter negras e negros fora dos espaços de formação e conhecimento que possam garantir algum tipo de ascensão social.

O negro e a negra na universidade brasileira

Atualmente, o acesso à universidade pública se dá por meio de um processo de seleção no qual a maior parte dos aprovados são estudantes egressos de escolas privadas ou que possuem recursos necessários para o custeio de cursos preparatórios ao exame de admissão.

Como sabemos, a população negra é maioria da população pobre e/ou miserável de nosso país, o que cria uma dinâmica de inversão proporcional no processo de inclusão no ensino superior público no Brasil. Defender a presença cada vez maior e efetiva de negros e negras na universidade pública brasileira, para nós, é positiva, imprescindível e estratégica para combater o racismo e fortalecer o processo democrático.

O sistema educacional, políticas curriculares e bases teóricas que fundamentam a produção cientifica no Brasil são construídas a partir de bases e referencias eurocentradas, não respeitando a diversidade étnica que compõe a realidade da população brasileira.

Políticas de cotas de raciais

Nos últimos anos, é intensa a discussão acerca da emergência da aplicação de políticas de ações afirmativas na educação superior brasileira. Tais discussões visam a reparar aspectos discriminatórios que impedem o acesso de pessoas a uma maior “sorte” de oportunidades

Para nós, do movimento negro, a importância dada às ações afirmativas, em especial, a política de cotas raciais nas universidades públicas, é instrumento estratégico para alterarmos o estado das coisas, na sociedade racista em que vivemos. Pressionar o poder público a fim de aprovar essa política como parte integrante do texto constitucional vem sendo tarefa de todos nós, negras e negros consequentes.

Não somos alheios ao fato de que a igualdade formal, tão cara à concepção de Estado moderno, que visa a consagrar a igualdade de todos e todas perante a lei, não é aplicada em sua acepção prática, não correspondendo com o real sentido de sua existência.

Apresentar perspectivas que apontem para as políticas de cotas raciais, teor de inconstitucionalidade, reforça cada vez mais as críticas e questionamentos que nós dirigimos ao conceito de igualdade apresentada e defendida pela democracia liberal.

Quando observamos a constituição federal em seu artigo terceiro, em que se elencam os objetivos da República, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento, a erradicação da pobreza e a promoção do bem para todos e todas sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quailquer outra forma de discriminação; podemos ver o quanto as políticas de cotas raciais para ingresso nas universidades públicas, possui forte conteúdo democrático e amplo apelo constitucional.

É preciso enegrecer a universidade

É papel da universidade fomentar a importante e indissociável articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, exigência intrínseca para a constituição de um centro de ensino que, de fato, exerça a sua função de produzir conhecimento e tecnologia de fato úteis para a sociedade brasileira.

Uma universidade que, aliando a prática pedagógica e a produção do conhecimento científico, não se ativer ao novo momento histórico que vivemos, diferente e desafiador, e que cada vez mais reclama para si a busca pelo fortalecimento da democracia, não terá êxito na sua missão de transformação e contribuição para a instauração de uma nova consciência e fortalecimento da cidadania.

Assim como é importante a inclusão dos negros e negras nos bancos escolares do ensino superior, também se faz necessário e imprescindível para a universidade a presença e permanência destes.

A efetiva e militante presença dos negros e negras na universidade pública garantirá um redirecionamento no processo de produção cientifica, na elaboração de matrizes curriculares democráticas e em um processo extensionista cada vez mais comprometido com a classe trabalhadora.

Uma revolução nada silenciosa

Em um momento futuro, a ocupação quantitativa que queremos promover ao defender a políticas de cotas raciais nas universidades públicas se reverberará em uma maior participação dos negros e negras nos espaços de tomada de decisão e, consequentemente, na definição de rumos verdadeiramente democráticos e republicanos para a sociedade brasileira.

Tal engajamento nos instrumentaliza para a verdadeira disputa que enfrentamos cotidianamente desde o dia em que nascemos, na qual o combate sistêmico ao racismo é central na estratégia por uma sociedade solidaria, justa e democrática. O processo de resistência a cada dia torna a luta dos negros e das negras mais forte e mobilizada.

Defender em alto e bom som a política de cotas raciais nas universidades públicas é trazer à tona, em todo o Brasil, que ele é um país racista. A defesa das cotas é carregada de forte simbolismo, visando a quebrar com uma dinâmica de manutenção do poder sustentada pelo mito da democracia racial.

Para que, de fato, possamos superar as distorções sociais gestadas pelos ideais racistas, é necessário compreendê-lo para que a sua superação seja definitiva. Esse processo de compreensão nos traz a relação dialética entre as lutas raciais e a luta de classes.

* Clédisson Júnior é ex-diretor de Combate ao Racismo da UNE (2009 a 2011)e membro do Coletivo Nacional Enegrecer.

domingo, 1 de abril de 2012

A juventude e a militância petista no dia pela eliminação da discriminação racial

Por Ludmila Queiroz

“Há 52 anos atrás em Joanesburgo na África um grupo de 20 mil pessoas em sua maioria jovens protestavam contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais onde era permitida sua circulação. No bairro de Shaperville, os manifestantes se depararam com tropas do exército. Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército atirou sobre a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186. Esta ação ficou conhecida como o Massacre de Shaperville. Em memória à tragédia, a ONU – Organização das Nações Unidas – instituiu 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.”

Neste dia tão importante da agenda dos movimentos populares, em especial para o movimento negro, nós do Partido dos Trabalhadores, militantes do maior partido de esquerda da América Latina, temos a obrigação de priorizar o combate ao racismo em nossa agenda como compromisso histórico, pois mesmo mais de trinta anos depois da criação do PT e com tantos avanços,sobretudo com a resistência do movimento negro, ainda estamos na periferia dos espaços de poder do PT, principalmente somando a condição de jovem aos/as militantesnegros e negras.

Mesmo reconhecendo os inúmeros avanços e o esforço do partido para incorporar a temática em seu dia a dia, como na resolução do 4º congresso do PT, que determina a paridade de gênero a proporcionalidade étnico-racial e a cota de 20% de jovens nas instâncias de poder do partido; as ações afirmativas para negros, em especial jovens, no governo Lula, ainda precisamos de fato estar incorporados como tema e prioridade na agenda do Partido. Que nós, negros e negras deste Partido, responsáveis que somos pelo desenvolvimento desta nação desde sempre, possamos de fato contar com a força partidária em toda sua capacidade e compromisso, não só neste dia pela eliminação do combate ao racismo.

Para dar conta de tamanho desafio é fundamental que nós da juventude do PT estejamos ativamente participando das discussões dos temas centrais no que tange a promoção da igualdade racial, em especial que afetem a juventude. Por isso reafirmamos:

A importância das políticas de cotas e de programas como o PROUNI, que cada vez mais permitem a inclusão de jovens negros e negras nas universidades;
A importância de campanhas como a de combate ao extermínio da juventude negra e pobre, que morre nas periferias e comunidades do RJ;
A legalização do Aborto, levando em consideração também a morte das jovens negras e pobres nas clínicas clandestinas em decorrência de abortos mal sucedidos;
A condição do estado Laico e que, portanto, todos e todas têm o direito de ter suas práticas religiosas, ressaltando a luta pelo fim da intolerância religiosa, em especial o preconceito contra as religiões de matrizes africanas;

Sabemos o tamanho do desafio, mas nós da Juventude Petista não deixaremos de levantar a bandeira do combate ao racismo. Portanto, é fundamental que a juventude negra deste partido se mobilize e esteja atuante, participando dos diversos setoriais, nas atividades de formação do partido, nas disputas do PED etc... E é responsabilidade nossa destacar a discussão do combate ao racismo, num dia em que lembramos o massacre de Shaperville, mas não só nele. O combate ao racismo tem de ser pauta o ano inteiro.

Ludmila Queiroz é Secretária de Combate ao Racismo da JPT do Rio de Janeiro